Em Qualquer Cidade de Minas Gerais

Em Qualquer Cidade de Minas Gerais

Sempre tive vontade de registrar o meu dia a dia.Na adolescência, babava de inveja , ao ver colegas que tinham um diário.Ali escreviam seus sonhos, as mágoas , o 1º beijo e tal...Tínhamos uma situação financeira e econômica muito instável e não havia a menor possibilidade de comprar um caderno bem bonito, especial e escrito na capa MEU DIARIO. E assim , a adolescência acabou, veio a vida adulta , a super adulta e enfim cheguei na 3ª idade sem nunca ter realizado esse sonho idiota para alguns , terapia para outros e para muitos como eu ,que ainda tenham a insistência e a teimosia em alimentar a criança existente em nós . Então veio a idéia de criar um blog em que pudesse registrar o cotidiano de uma senhora idosa , sem culpas ou medo do ridículo .Hoje é bem melhor porque a gente escreve para o vento, pra gente mesmo.Totalmente irresponsável e sem compromisso de agradar ou não.Simplesmente pelo prazer de falar do seu dia a dia vivido em qualquer cidade de Minas Gerais ou qualquer espaço físico vivenciado por mim.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010



ÊTA BELEZA DE VIDA!

Gente to vendo TV até 4 horas da madrugada.Verdadeira orgia.O canal HBO2 tá passando filmes, já dublado para o Português, dia e noite.O canal HBO sem número vem no original com legenda e é repetido no 2 já em português.Quando em algum tempo, no passado, eu sonharia com esta vida deliciosamente desorganizada? Acordo as 9 ou 10 horas da manhã. Nem acredito que isto iria acontecer comigo em algum futuro real,isto é, antes isso era algo inatingível.
Sei que vai passar...é o chamado período de adaptação.Na verdade me ocupo o dia inteiro.Um tanto de roupa pra reformar e lavar,alimentar o blog de artesanato que adoro.Sair mais com a Dolly.
Embora adore cozinhar, como de marmita,pois comer tanta verdura,arroz integral, carnes de vários tipos,só mesmo de marmita. Cozinhar pra mim sozinha não dá.Fiz as contas na ponta do lápis e conclui sair mais barato.É bem verdade de um molho de rúcula, 1 pé de alface,1 molho de couve ou taioba,brócolis,espinafre e tal, dar quase para o mês inteiro...,mas não funciona.Se perde muito e no final vc tem de distribuir.Além disso tem o detergente , o gás,o tempo gasto pra comprar na feira,o tempo gasto pra fazer e trazer tudo mais ou menos limpo e o enjôo de comer algo durante 3 dias seguidos e por aí vai...
Me lembro quando todos estavam em casa,começava a preparar os alimentos para os finais de semana na quinta feira.Tentava agradar a todos..Sempre tínhamos convidados.Então,eram tortas de chocolate com recheio e cobertura pra meu filho(liberados só nos finais de semana),sobremesas especiais pra meu marido e ainda assessora-lo na cozinha,já que ele era um cozinheiro de 1ª categoria.Meu marido na cozinha, se assemelhava a um grande cirurgião fazendo uma operação de alto risco e eu a instrumentista.Nosso díálogo, nesses momentos eram mais ou menos assim, no caso de prepararmos uma simples omelete:¨me passe a frigideira...não esta a outra...e a mão estendida aguardando...¨,” ¨a espátula, já acendeu o fogo?¨Não acendeu o fogo?¨ ¨Ponha cerveja no meu copo¨...Cadê o pano de prato?...O queijo...¨ a mão estendida aguardando minha obediência às ordens...¨cadê a salsa picadinha?...¨ então, eu tinha de preparar tudo com antecedência para o grande cirurgião.No final,eu o imitava com coreografia e tudo, e ríamos muito já meio embalados pela cerveja.
Toda essa energia se foi...risos,vozes , movimentos corporais, olhares de cumplicidade, meu nome gritado,latidos dos 12 cães companheiros,e o que era mais gostoso,a colheita de uvas,laranjas entre gargalhadas para fazer a geléia e compotas para os amigos nos natais.Como também se foi a disposição de cozinhar com tantos personagens faltando.
A roda da vida mudou e durante um grande período tive de me desligar de toda essa construção.Reiniciei nova etapa que chega agora ao seu final.Quantas etapas ainda terei de começar?Será esta a última?
Se for a última quero aproveita-la o máximo que puder.Só que parece mais uma pausa.Meu marido fez a grande viagem e meu filho, numa cidade bem distante, cuida da família dele.Muitos amigos queridos também fizeram a grande viagem.As vezes fico achando é de ter interrompido para uma pausa.E agora reinicio do ponto interrompido, só que sozinha.Então,tento realizar apenas aquilo que foi planejado e não realizado e era extremamente importante como dona de casa..Mas...pra que? Não sei.Só sei do momento atual.Me sinto premiada com a aposentadoria.Muito agradecida de poder decidir o meu dia a dia sem prejudicar ninguém.Poder ver TV até de madrugada quebrando regras como se tal quebra fosse o meu troféu.Posso tudo.Pelo menos provisoriamente, pois a ficha ta caindo de mansinho, de que não há volta. Aí entro em conflito e não sei se a vida passou ou fui eu que passei.
As vezes, lembro dos projetos planejados e sonhados com a possibilidade de executa-los logo tivesse todo o tempo ao meu dispor, como agora.Só que não contava que o tesão por tal projeto fosse morrendo, isto é, não tenho mais interesse , perdi a paixão. Exemplo disso, é quando olho determinadas revistas estrangeiras ainda guardadas e marcadas com lápis os projetos futuros. Compradas com sacrifício e na época me valeram muito.Por que foram tão importantes? Eu não sabia costurar e nem crochetar ou tricotar...Eram revistas alemãs vendidas em importadoras e escritas em alemão.O nome era Burda Moden.Só muito mais tarde tais revistas começaram a vir com manual das receitas em português.Nesta época, quando não havia ainda traduções em português, morava em São Paulo e quase todos os meus vizinhos eram alemães.Como meu marido era de etnia branca e talvez por isto,após um ano de moradia no prédio de apartamentos, os meus vizinhos começaram a se aproximar.Não era o esperado por mim,pois sou verdadeira brasileira, ou seja ,tenho a união das três raças(branca,negra e indígena) e por tanto sou mestiça para alguns ,indefinida para outros ou sou o que acho que sou,mulata.Tinha um certo receio de ser hostilizada por tantos estrangeiros.Porém como num milagre todos começaram a se comportar de modo super amoroso comigo.E como não havia ainda as traduções em português da revista Burda ,meus vizinhos queridos se incubiram de me ensinar como seguir receitas de tricô, crochê e costurar roupas, studrel,chucrute e masa folhada. Tudo isto foi me encantando tanto que resolvi aprender alemão.Foi um dos melhores momentos de aprendizagem que valeram muito na construção da minha vida.
Minha 1ª professora de alemão se chamava Alice.Sua casa lembrava uma postagem colorida de natal.Tudo que se colocava a mão,era feito por ela.Era uma delicia os momentos vividos na sua casa tão aconchegante.Já na 3ª aula ,ao notar minha admiração por studrel,nos deu uma folha com algumas palavras básicas como dever de casa e na 4ª aula, nos ensinou a fazer um studrel em alemão.(este “nós” é que a Maria Helena ,minha vizinha ,era casada com alemão. Helena já dominava o italiano, inglês,português e sua língua pátria, o espanhol.Ela queria se aperfeiçoar em alemão.)
Dona Alice era a típica alemã,lourissima,olhos azuis e mais ou menos com seus 50 anos.Falava um português arrastado e se comportava com altivez e quando retirava seu avental parecia estar indo para um grande evento de tão elegante.Seu grande orgulho era um grande porta retrato onde estavam o Monteiro Lobato,ela e toda a família.A família dela era muito amiga do Monteiro Lobato.Para uma coitada como eu do interior de Minas, aquilo tudo era uma glória.Porém, comecei a ficar meia lá e meia cá,quando aprendemos a música “Lili Marlen” em alemão.A partir daí, tomei conhecimento que tal música era tocada para os soldados nazistas a mandato do Hitler.
Fiquei embaraçada com o entusiasmo da dona Alice pelo Hitler e quando começou a falar do Wagner, o compositor de música erudita preferido do Hitler,e o que iríamos aprender sobre tal tema, inventei mil desculpas e deixei as aulas.Foi então que me matriculei no Instituto Goethe .Ai, foi que valorizei ter tido algumas noções de latin(coisa que detestava e achava inutil) no ginásio.Na minha época o ginásio corresponderia de 5ª a 8ª série de hoje. Graças a essas noções é que me saia melhor nas declinações de alemão.Fiquei tão insuportável que jurava que daí a pouco estaria lendo Goethe no original.RSRSR. Mas fiquei por pouco tempo,pois me mudei pra lugar mais longe e ficava difícil continuar meus estudos.
Mas graças a todo esses fatos é que passei a entender melhor a revista Burda Moden e costurava tudo pelos moldes impecáveis da revista.Fazia os pijamas,tecia malhas de frio e roupas pra marido,filho e eu.Era uma grande economia feita de modo muito prazeroso.Fiz muitas roupas(muita gratidão pelo tanto recebido) para as vizinhas com pouco tempo e em troca dos pães feitos em casa que eu adorava, e especialmente pra a amiga muito querida, a Maria Helena.
Daí, surgiram mil oportunidades de se trocar conhecimentos.Uma paraguaia, tocava bem o violão, me propos dar aulas de violão em troca de aprender a usar a revista ”Burda Moden”. Pena que retornou ao seu país de origem e não pude terminar meu aprendizado.Resultado: ganhei um violão de presente do meu marido no dia dos namorados;Passei as noções de violão pra meu filho.Ele entrou numa escola de música e se aprimorou.Garanto ter sido super legal pra ele saber, pelo menos(rindo), pegar no braço do violão e fazer serenata pra suas namoradas.Com certeza, foi um período muito relevante , construtivo e divertido .Valeu!
Espero ardentemente ser esta a minha última etapa de iniciar algo.Se assim for,vou tentar novamente me adaptar e encarar de forma melhor possível, o novo que vem por ai,já que está mais do que comprovado o nosso reeiniciar todas as manhãs pelo resto dos nossos dias.