Em Qualquer Cidade de Minas Gerais

Em Qualquer Cidade de Minas Gerais

Sempre tive vontade de registrar o meu dia a dia.Na adolescência, babava de inveja , ao ver colegas que tinham um diário.Ali escreviam seus sonhos, as mágoas , o 1º beijo e tal...Tínhamos uma situação financeira e econômica muito instável e não havia a menor possibilidade de comprar um caderno bem bonito, especial e escrito na capa MEU DIARIO. E assim , a adolescência acabou, veio a vida adulta , a super adulta e enfim cheguei na 3ª idade sem nunca ter realizado esse sonho idiota para alguns , terapia para outros e para muitos como eu ,que ainda tenham a insistência e a teimosia em alimentar a criança existente em nós . Então veio a idéia de criar um blog em que pudesse registrar o cotidiano de uma senhora idosa , sem culpas ou medo do ridículo .Hoje é bem melhor porque a gente escreve para o vento, pra gente mesmo.Totalmente irresponsável e sem compromisso de agradar ou não.Simplesmente pelo prazer de falar do seu dia a dia vivido em qualquer cidade de Minas Gerais ou qualquer espaço físico vivenciado por mim.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Minha Mãe e Meu Padrasto




Minha Mãe e Meu Padrasto

Meu padrasto era português naturalizado.Quase em todos os natais da minha infância,o poder da sua cultura nos alcançava.Minha mãe, meu irmão e eu.Ele mandava tudo aquilo de que tinha sido acostumado a comemorar nessas datas.Então, recebíamos sacolas de nozes,que quebrávamos no vão da porta. (abríamos a porta e colocávamos as nozes ou castanhas na dobradura e ao fechar aporta, elas se quebravam), as castanhas cozidas pela minha mãe, doces secos tipo figos e outros tão comuns na terra dele, Portugal.Ele trabalhava com exportação de café e cacau.
Houve uma época em que o funcionário que trabalhasse mais de 10 anos numa firma, se tornava sócio de tal firma.Era o caso dele.Então seu contato com navios era intenso e daí, ganhávamos caixas e mais caixas de leite em pó,aveia, frango e doces enlatados.Eu adorava.Sempre tínhamos mingau de aveia de manhã.Não posso me queixar da minha alimentação durante minha infância.Dava boas vindas a tudo que pudesse me livrar, um pouco, das verduras da mamãe.Ela tinha o que se chama de ¨dedo verde¨.Qualquer pedaço de terra, ela logo transformava em pequena horta.Me lembro de uma parreira de chuchu enfeitando um pedaço do quintal e dava tanto chuchu, que eram dados para os vizinhos da rua e tínhamos de consumir xuxú quase todo dia.Ela até inventou uma moqueca de ovos com chuchu.Como sabia plantar, tínhamos alface,maxixe,couve,tomates cenouras e etc.Mesmo assim,eu continuava a reclamar, pois diariamente , comíamos peixe (era o mais barato.Raramente comíamos carne de boi pq era muito e muito caro),e o frango enlatado era só para os domingos.
O meu padrasto era um bom homem.Ele amava minha mãe e devido a esse sentimento,se preocupava muito comigo.Me lembro ao terminar o admissão para o ginásio, ele chegou em casa anunciando ter me matriculado numa escola de datilografia. Até pouco tempo,ainda tinha o certificado de término do curso.Engraçado ter estudado algo tão importante naquela época, hoje totalmente obsoleto.Eles se desentendiam, brigavam mas daí a pouco estavam novamente juntos.Ele se preocupava com minha educação e assinava tudo que fosse documento escolar.Mamãe só quis se mandar pra roça novamente, quando ele escorregou na bola e teve um caso com uma amiga sua.Nunca mais minha mãe foi a mesma.O seu sonho era arrumar um modo de ficar independente e deixa-lo.Como só sabia trabalhar na roça, ficava tentando voltar, porém tinha eu estudando, como faria?Me sinto muito responsável por ela ter continuado com ele.Não pela situação em si pois vejo traição nos relacionamentos como algo muito físico, sem nada a ver com o coração.Mas pela cabeça da minha mãe, isso de infidelidade, não caberia. E mesmo se violentando, teve que continuar ao lado dele.
Ela era uma mulher de muita fibra.Aprendeu a ler praticamente sozinha ,tal a ânsia que tinha em saber ler.Iniciou prestando atenção nos sons da grafia das letras na bíblia.Alguem explica aqui, outros explicam dali e assim,lia vagarosamente pra mim, histórias e mais histórias..Sim porque quando entrei pra escola ela já sabia ler, muito vagarosamente mas lia.Meu padrasto colaborava trazendo livros de histórias para crianças com letras grandes.Além disso ela tinha um dom pra contar história.Era uma delicia ouvi-la contando suas histórias de vida ou que ouvira da vovó Brasilina.
Mamãe tinha noções fortes de economia doméstica e aproveitava tudo.Os ternos mais velhos do meu padrasto eram transformados,após virarem do avesso, em taier,ou seja,a calça virava saia e o paletó o casaco.(taier naquela época corresponderia a saia e blaser de hoje).Sacos de estopa, viravam lindos tapetes em ponto de cruz sempre com motivos de animais.Minha s calcinhas intimas eram feitas de sacos de trigo lavados, alvejados e enfeitados nas beiradas com cianinha ou ponto russo.Ela fazia ponto paris pra fora.Cobrava por metro.Também se orientava pelas revistas da época, Jornal das Moças e FonFon.Acredito de tudo isto ter atraído meu padrasto com nível de estudo bem mais elevado.Quando ele esteve em Portugal,trouxe uma imagem da Senhora de Fátima em forma de uma caixinha de música.Era uma imagem linda que no escuro brilhava tanto que poderia servir de abajour.Juntava gente da vizinhança pra ver a imagem que brilhava no escuro.Era algo inexistente aqui no Brasil.Quando dava corda tocava o hino de Fátima...¨há treze de maio na cova da Iria apareceu brilhante a Virgem Maria...¨Esse presente chegou exatamente quando mamãe pensava seriamente em deixar meu padrasto.Porém, foi ele quem a deixou para a grande viagem após anos e anos mais tarde.Logo depois meu marido também fez a grande viagem e então mamãe veio morar comigo.Após 12 anos comigo ela também fez a grande viagem.Na véspera da sua viagem,rimos muito e eu lia as histórias de contos de fada que tanto gostava..Relembramos as músicas da Carmen Miranda que ela cantava tanto e eu encenava e fazia palhaçadas imitando-a. Ela ria tanto que pediu o remédio pra dormir.Eram quase 3 horas da madrugada. Suas últimas palavras foram: “ filha vai descansar, estou com a boca doendo de tanto rir. Deus te abençoe”Daí entrou em coma que só descobri as 4 horas do dia seguinte.E assim ela se foi.Pensei não conseguir sobreviver sem sua presença.Mas...ainda estou por aqui.De vez em quando sinto sua presença tão forte,principalmente quando acordo de manhã.Acordo com a sensação de ter mais gente aqui.Por segundos esqueço que ela se foi.

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