Em Qualquer Cidade de Minas Gerais

Em Qualquer Cidade de Minas Gerais

Sempre tive vontade de registrar o meu dia a dia.Na adolescência, babava de inveja , ao ver colegas que tinham um diário.Ali escreviam seus sonhos, as mágoas , o 1º beijo e tal...Tínhamos uma situação financeira e econômica muito instável e não havia a menor possibilidade de comprar um caderno bem bonito, especial e escrito na capa MEU DIARIO. E assim , a adolescência acabou, veio a vida adulta , a super adulta e enfim cheguei na 3ª idade sem nunca ter realizado esse sonho idiota para alguns , terapia para outros e para muitos como eu ,que ainda tenham a insistência e a teimosia em alimentar a criança existente em nós . Então veio a idéia de criar um blog em que pudesse registrar o cotidiano de uma senhora idosa , sem culpas ou medo do ridículo .Hoje é bem melhor porque a gente escreve para o vento, pra gente mesmo.Totalmente irresponsável e sem compromisso de agradar ou não.Simplesmente pelo prazer de falar do seu dia a dia vivido em qualquer cidade de Minas Gerais ou qualquer espaço físico vivenciado por mim.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Vizinha do Hotel Majestic



VIZINHA DO HOTEL MASJESTIC....


Quantas e quantas vezes passei em
frente ao hall de entrada do tão imponente., grandioso Hotel Majestic.Estava ,como está até hoje, localizado na rua Duque de Caxias em Vitória , capital do ES.Acho que era o prédio mais expressivo daquela rua. Não sabia exatamente a sua importância como fiquei sabendo mais tarde, como por exemplo de ter sido o único prédio daquela cidade, a ter, durante anos e anos, um elevador. O meu contato inicial com o hotel foi no ano de 1947 pouco antes de completar 7 anos de idade. Na minha visão infantil sua importância se dava devido a sua altura, sua entrada sempre com pessoas elegantes e a filha do proprietário.Ela era uma moça loura muito bonita , que pra mim, se assemelhava a uma fada . Fada que ,do seu 2º andar, de vez em quando , jogava brinquedos para as crianças que brincavam á noite , bem debaixo da sua janela.Estas crianças ficavam ali, cantando, correndo enquanto aguardavam das mães, o chamado ou gritos, para irem dormir. Com certeza ela sabia daqueles pobres e pequenos seres serem seus vizinhos.
Vizinhos e filhos apenas de mães , já que dificilmente se ouvisse ou visse chamados vin do de presença masculina.Eram os pequenos moradores do sobrado tipo casarão de 2 andares, exatamente colado ao hotel.
AH! Quantas e quantas vezes percorri aquela rua em direção a Praça Costa Pereira bem cedo, para comprar o pão ou passava em frente ao hall de entrada do hotel a caminho da escola.Quantas e quantas vezes ganhava álbuns de retalhos de tecidos(mostruário das fábricas de tecidos da época) que após vendidos em peças para as lojas, perdiam a utilidade. Os viajantes representantes das indústrias têxteis ficavam hospedados neste hotel.Então eles distribuíam tais mostruários e quando isto acontecia , era uma festa, pois fazíamos roupinhas lindas de bonecas e minha mãe fez até uma linda colcha de cama com os álbuns.(hoje seria chamado de colcha patchwork).Quantas e quantas vezes,subíamos uma pequena ladeira do lado do hotel, para chegar á Catedral, com intenção de brincar em volta ou entrar e rezar.Me lembro da gente rezar até pros anjos de gesso que estavam no teto do interior da catedral.Imagine, ela estava em construção ainda.
O casarão colado ao hotel,onde morávamos,apresentava uma construção aparentemente sólida com uma presença bem decadente. Deveria ter sido bonito, bem tratado e pertencido a pessoas de grandes posses, que por razões desconhecidas , passaram para pequeninissimas posses e alugaram para uma senhora que o transformou em uma espécie de pensão.Esta senhora dividiu a propriedade em vários quartos para alugar e, nestes quartos, residiam várias famílias de baixa renda , nacionalidades e estados civis diferentes.
No interior deste outrora poderoso casarão, havia 2 escadarias com 12 largos degraus para o 1º andar (contava e recontava logo que aprendi a contar), e 10, não tão largos, degraus para o 2º andar.
No 1º andar, após subir os 12 degraus, se chegava a um imenso salão e 4 portas de 4 quartos abriam nele,.ou seja,cada quarto tinha uma porta de entrada ou saída que dava neste salão. Havia mais 2 quartos com varanda de frente pra rua, 1 banheiro e um quintal onde ficavam 3 tanques
destinados a lavagem de roupas e muitos varais para pendura-las. Nesta hora, era o momento mais alto em comunicação entre aqueles estranhos moradores.Neste momento é que segredos e problemas eram expostos,questionados e concluídos.Uma fila de seres com bacias de roupa para serem lavadas, aguardavam sua vez.Enquanto esperavam, iam conversando e ora aconselhavam , ora pediam conselho.
Creio ser a solidariedade um sentimento comum, entre seres humanos que estejam vivenciando infortúnios.É o que se constatava entre os moradores adultos e infantis daquele casarão.Era como se existisse um elo invisível os ligando, independente de raça, nacionalidade ou sexo.Caso contrario como explicar a vontade repentina surgida de brincarmos com alguma criança, a pedido da mãe, enquanto recebia sua visita clandestina?Como explicar outros moradores infantis se aproximando e pegando a mão da pequenina ou pequenino e em silencio nos encaminhando pro quintal ou a rua?
O salão da entrada, era um espaço bem grande e em algum momento do passado, deveria ter sido o local de maior representação social daquela casa. Quando ali morei, o grandioso salão virou uma cozinha comunitária que servia a todas as pessoas que ali moravam
. Cada família tinha seu pedaço físico de acordo com suas posses.Então, fogões minúsculos à carvão , ficavam espalhados sobre caixotes e na hora do almoço, panelas fervilhavam com comidas de vários cheiros e espécies.Eu adorava este clima de movimentos e sempre experimentava ora comida chinesa,ora comida japonesa, ou alemã e italiana.
Mamãe e eu morávamos no 2º andar que tinha 5 quartos (um cômodo para cada família) e um banheiro para todos. Tínhamos como vizinhos um chinês, casado, com 2 filhos, iniciando seu negocio de lavanderia; uma cantora de rádio com uma filha, que recebia a visita constante de um senhor oficialmente casado com outra pessoa;uma japonesa vivendo com um brasileiro e mais 2 filhos;um engraxate de rua(a cadeira de engraxate ficava numa praça e sua profissão era assim conhecida) 2º seus relatos fora abandonado com 1 casal de filhos, pela esposa.
No 1º andar morava a filha da senhora que alugou a casa e tinha 4 filhos.Entre eles uma menina da minha idade chamada Tita.Minhas noções iniciais sobre amizade e solidariedade, aprendi com a Tita.
Não posso nem imaginar o que tudo isto representava para os proprietários e residentes do elegante hotel.Vagamente me lembro da palavra cortiço.Algumas vezes ouvia:” Pena o cortiço ao lado...” ou “ ...algo deveria ser feito para retirar o cortiço...” Era um verdadeiro contraste entre o sobrado e o hotel.
A 2ª escada para o 2º andar terminava exatamente quase na porta do quarto em que morávamos: minha mãe ,eu e de vez em quando , era completada com a visita do meu padrasto. No término da escada havia um espaço de 1x1 metros , e aí ,mamãe instalou o seu pequeno fogão a carvão,(NÃO HAVIA MAIS VAGA NO SALÃO) e ali se cozinhava o nosso almento.
Até hoje fico imaginando como mamãe conseguia cozinhar, fazer doces e até bolo
naquele minúsculo fogão.Como conseguia manter uma linda lata estampada de florzinha com fundo verde, sempre abastecida com doce de abóbora com coco, doce de leite ou batata doce. Pra mim era uma latinha mágica. Quando mamãe recebia visitas, servia o doce em pratinhos de louça e ficávamos nos deliciando , sentadas sobre a cama que sempre estava coberta com uma bonita colcha bege de crochê .Era um cômodo muito pequeno que só cabia a cama de casal, três caixotes delicadamente cobertos com lençóis. Um caixote, guardava os utencilios de cozinha.O outro,ficava uma bandeja com pratos, talheres e canecas e sobre ele ficava pendurada uma sacola de pano bordada com um grande pão em ponto de cruz, feito por mamãe.;sobre o outro e último, o batom, pó de arroz, água de colônia e leite de rosas e uma lata de talco Ross.
Uma mala ficava debaixo da cama com roupas pessoais e de cama.A nossa decoração estava sempre bem iluminada pelos dois janelões que , um de cada lado da quina do quarto nos dava 2 visões : uma , víamos só telhados das casas vizinhas e era só levantar mais o olhar, pra ver uma parte da Catedral (ainda em construção); e a outra , víamos os navios, uma casinha linda do outro lado, perto do Monte Penedo e um pedaço do mar.Os janelões eram do estilo guilhotina. Levantava a parte baixa para cima e se prendia com algo para não fechar e segundo minha mãe, muito perigoso... E assim , abertos ficavam até a noite , quando eram baixados e minha mãe terminava este ato me gritando , pois eu estava sempre brincando lá em baixo, na rua ,com outras crianças até a hora de ser chamada pra dormir.
Acredito ter sido um dos períodos mais marcantes e felizes da minha existência de 68 anos.Fui muito feliz nesta vizinhança com o hotel Majestic.Talvez por recordações tão fortes tenha me interessado pelo Google Earth e tenha tentado localizar a rua Duque de Caxias e o hotel Majestic.
Não existe mais o sobrado onde morei, como também muitos daqueles seres, não existem mais nesta dimensão.No lugar do sobrado existe um moderno prédio de apartamentos.A rua por onde corria e corria foi modernizada e talvez não a reconhecesse se não tivesse como ponto de referencia o prédio do Hotel Magestic mesmo não sendo mais um hotel. Porém..., existe a energia do espaço. Elevando o olhar para o alto, poderei reconhecer naquele pequeno céu sobre a rua, as mesmas estrelas que admirava quando só tinha por companheira a Tita, que por coincidência estava na mesma situação que eu , isto é, esperando ser chamada para dormir.
Nem sei se aquela rua continua com o mesmo nome de Duque de Caxias, Também não sei direito sua extensão.Nas minhas lembranças,a rua começava um pouco abaixo do prédio do hotel e terminava na Praça Costa Pereira.Esse trajeto que me colocava como vizinha do Magestic continuará sempre mágico pra mim.

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